A Revolução do TikTok em Tempos de Crise
Assim como as condições climáticas adversas em Los Angeles, minha página “For You” no TikTok mudou radicalmente da noite para o dia. Acordei na semana passada com meu celular repleto de imagens de chamas vorazes e vídeos de casas, negócios e outras estruturas sendo consumidas pelo fogo.
Os influenciadores interromperam sua rotina normal de postagens para se filmar arrumando malas em meio a evacuações. Contas anônimas compartilhavam imagens de ruas que eu não reconhecia, mostrando a devastação, enquanto perfis recém-criados pediam ajuda para encontrar seus animais de estimação desaparecidos. Navegar no TikTok nesse momento parecia tentar acompanhar mil transmissões ao vivo simultaneamente, cada uma mais urgente e horripilante que a outra.
A Fuga da Realidade
A questão é: o que tudo isso representa? Apesar da compulsão por consumir conteúdo de desastre, os clipes, comentários e check-ins não são realmente úteis. Nossas timelines estão inundadas com informações em excesso, mas muitas vezes irrelevantes. Embora ainda não esteja claro como esses incêndios começaram, cientistas apontam que as mudanças climáticas estão apenas agravando os incêndios ao longo do tempo. Este ano, a falta de chuva em Los Angeles transformou a região em um verdadeiro barril de pólvora.
Dúvidas como “Onde estão os abrigos?” “Devo evacuar?” e “Onde consigo máscara e outros suprimentos?” ficam sem resposta, enquanto os relatos de experiências pessoais dominam. E quem pode blamear os moradores da região de Los Angeles? Essa é a natureza do TikTok. Porém, ninguém consegue compartilhar links para recursos de ajuda mútua ou notícias sobre informações vitais de evacuação. A plataforma não foi projetada para veicular alertas de notícias de emergência que podem salvar vidas.
A Comparação com a Furacano Milton
A situação dos incêndios traz à mente a passagem do Furacão Milton por Florida alguns meses atrás, que resultou em milhares de visualizações nos vídeos de influenciadores que decidiram ficar e documentar a tempestade. Até agora, não se vê a mesma dinâmica arriscada por conteúdo viral nos incêndios da Califórnia, mas a experiência não é muito diferente: um fluxo de infotainment, onde um vídeo de alguém perdendo quase tudo é seguido por outro de alguém testando um novo produto de maquiagem.
O crítico de mídia Matt Pearce resumiu bem a situação: “O TikTok foi amplamente indiferente a se eu vivo ou morro”.
Instagram e Outras Plataformas
O Instagram se mostrou um pouco mais útil, mas isso depende de seguir pessoas que postam conteúdo relevante. Em momentos de crise — como os protestos do Black Lives Matter em 2020 ou a incessante bombardeio de Gaza — as Stories do Instagram se tornaram um espaço para re compartilhar infográficos e recursos. Embora seja possível linkar anúncios e histórias relevantes apenas através das Stories, essa funcionalidade é melhor que nada.
Por outro lado, a busca no Instagram é uma mistura caótica de infográficos gerados pelos usuários, imagens granuladas dos incêndios e selfies de pessoas se desejando boa sorte em LA.
É importante mencionar que teorias conspiratórias absurdas se espalharam rapidamente no X, com influenciadores de direita e até mesmo Elon Musk alegando falsamente que iniciativas de DEI eram responsáveis pelos incêndios. O Twitter, que antes funcionava como um feed de notícias, agora está repleto de spam de criptomoedas e simpatizantes nazistas.
O Que Esperar do Futuro
Enquanto isso, aplicativos menores e mais especializados, como o Watch Duty, uma plataforma de monitoramento de incêndios sem fins lucrativos, estão ocupando o espaço deixado por estas grandes redes sociais. No Bluesky, um concorrente do X, os usuários podem organizar feeds com base em tópicos em alta, criando uma página personalizada sobre incêndios em LA.
Estamos diante de mais eventos climáticos extremos, e a reflexão sobre nossa preparação para essas situações é válida. A deterioração das plataformas é ainda mais evidente em tempos de emergência, quando os usuários são obrigados a navegar por um mar de informações inúteis: vídeos que assustam, mas não ajudam, sites de notícias com excesso de anúncios pop-up, e discursos de elites da tecnologia em busca de culpados. Em minha opinião, as nossas timelines voltarão ao programa normal em cerca de cinco dias úteis, e a devastação causada por esses incêndios logo será ofuscada por esquetes de comédia e unboxings de PR. Até que, claro, surja o próximo desastre.